A Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas pela tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, atingida por um incêndio no dia 27 de janeiro que vitimou 241 pessoas. Nove delas podem ser denunciadas pelos crimes de homicídio com dolo eventual qualificado, quando a pessoa assume o risco mesmo sem intenção. Leia a íntegra do relatório do inquérito.

No total, 28 pessoas foram apontadas pelo inquérito policial como responsáveis pela tragédia. Entre elas, estão o prefeito da cidade, Cezar Schirmer, e o comandante do 4º Comando Regional de Bombeiros de Santa Maria, tenente-coronel Moisés Fuchs. Segundo a polícia, em ambos os casos há indícios de prática de homicídio culposo e eles poderão ser investigados pelo Tribunal de Justiça e Justiça Militar, respectivamente.

(Inicialmente, o delegado informou que 35 pessoas haviam sido responsabilizadas. Na verdade, são 35 responsabilizações, ou seja, algumas pessoas foram responsabilizadas por mais de um crime. Após o fim da coletiva, a polícia confirmou que são 28 pessoas responsáveis).

Resumo do que disseram as 810 pessoas que deporam
- 119 pessoas afirmaram que a bote tinha lotação superior a mil pessoas

- 83 afirmaram que o fogo iniciou com o artefato pirotenico

- 50 pessoas afirmaram que havia mais artefatos pirotécnicos nas laterias do palco

- 181 pessoas afirmaram que o incêndio iniciou no palco principal

- 108 pessoas afirmaram que o extintor de incêndio não funcionou

- 153  afirmaram que não enxergaram luzes e sinalização de emergência

- 84 afirmaram que os seguranças impediram saída por alguns segundos

- 124 afirmam que as barras de conteção ou guardas-corpos obstruÍram a saÍda da kiss

- 178 afirmaram que jÁ viram show pirotécnico na kiss em outras oportunidades

- 18 pessoas afirmaram que a boate não ofereceu qualquer treinamento para incêndio

- 24 afirmaram que a boate Kiss passou por diversas reformas ao longo do tempo

- 17 pessoas afirram que Mauro Hoffman participava da administração da boate

- 47 viram civis entrando na boate para auxiliar no resgate sem serem contidos por bombeiros (no mínimo cinco morreram)



Polícia Civil apresenta o resultado das investigações (Foto: Ricardo Duarte/Agência RBS)

Confira repercussão do anúncio do inquérito
- Gilberto Weber, advogado de Luciano Bonilha Leão (produtor da Gurizada Fandangueira)
“Durante a investigação, em várias oportunidades, ocorreram manifestações, tanto do delegado, quanto do Ministério Público. Eles sempre deixaram claro qual seria a direção para esse indiciamento. Não houve novidade. Com relação ao Luciano, ele poderá ser denunciado, como também poderá haver desclassificação durante a análise do inquérito. Ele poderá ser denunciado por outra coisa, homicídio culposo, por exemplo. Para ter segurança na linha de defesa, somente após a confirmação da decisão do MP”.

- Jader Marques, advogado do Elissandro Callegaro Spohr (sócio da boate Kiss)
“A Polícia Civil deixou de fazer qualquer consideração sobre um dos pontos mais importantes da investigação, que foi a instauração de um inquérito civil que determinou a colocação da espuma, as reformas e que fotografou a casa. Que sabia da situação dos alvarás. A impressão da defesa é de que houve uma omissão grave da Polícia Civil quanto à atuação do promotor de Justiça. Houve uma falha grave ao não considerar a importância das obras. Spohr foi indiciado 241 vezes por homicídio dolos e 623 por asfixia, além de responder também pelo incêndio. Na próxima, semana vamos a Santa Maria para enfrentar todas essas questões".

- Bruno Menezes, advogado de Mauro Hoffman (sócio da boate Kiss)
“Não nos causou surpresa o indiciamento, pois a Polícia Civil já vinha antecipando que ele (Mauro) seria. O próprio Ministério Público já antecipou que haverá denúncia contra ele. O que nos causou surpresa foi a postura de toda a investigação com relação às prisões, que aconteceram já no primeiro dia. Pelo Código Brasileiro, é preciso ser evidenciado uma conduta do Mauro para vinculação. E a única vinculação dele é ele ser sócio da empresa. No inquérito, houve uma alusão de 17 testemunhas que teriam feito uma referência por ele ser administrador da empresa. Para mim, esse número é muito pequeno em uma amosta de 810. Tenho a mais absoluta certeza de que o indiciamento por homicídio doloso não se sustentará no MP”.

- Leo Becker, vice-presidente da associação de familiares das vítimas (AVTSM)
"Temos que dar parabéns à Polícia Civil pela competência e coragem por conduzir com responsabilidade indicando os culpados. Confiamos plenamente na Polícia Civil. Fizeram um trabalho que vai ser vir de exemplo para o mundo todo. Agora vamos acompanhar a a segunda etapa da investigação, que vai para a promotoria e Judiciário. O indiciamento de políticos veio desmistificar a blindagem que havia em cima do Poder Executivo. A Polícia Civil desmascarou o prefeito Cezar Schirmer e o comandante do Corpo de Bombeiros da região, tenente-coronel Moisés Fuchs, que diziam que tudo estava legal".

- Cezar Schirmer, prefeito de Santa Maria, apontado no inquérito como um dos 28 responsabilizados na tragédia
"Fui tomado de surpresa. Talvez tenha sido a maior surpresa da minha vida pública e pessoal. Estamos diante de um absurdo, de uma aberração jurídica, de um processo que é de natureza política. Com todo o respeito, essa é uma tese ridícula. Até o momento, não tem nada, só temos indícios. Até que se provem alguma coisa, não temos nada. Confio no Tribunal de Justiça e no Ministério Público".

- Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul
"Ele (comandante do Corpo de Bombeiros da região, tenente-coronel Moisés Fuchs) será afastado do comando. Independentemente que isso signifique um adiantamento de julgamento, mas uma pessoa que está indiciada, evidentemente, tem que ser afastada do comando e farei isso imediatamente, quando voltar ao Rio Grande do Sul. Agora cabe ao Ministério Público examinar profundamente este relatório e fazer a denúncia para responsabilizar penalmente aquelas pessoas que estão sendo indiciadas, que cometeram atos ilegais, irregulares ou até estiveram comprometidas do ponto de vista penal".

A lista dos 16 indiciados criminalmente

241 homicídios com dolo eventual qualificado e 623 tentativas de homicídio
1- Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista da banda Gurizada Fandangueira)
2 - Luciano Augusto Bonilha Leão (produtor da banda Gurizada Fandangueira)
3 - Elissandro Callegaro Spohr (sócio-proprietário da Kiss)
4 - Mauro Londero Hoffman (sócio-proprietário da Kiss)
5- Ricardo de Castro Pasche (gerente da Kiss)
6 - Ângela Aurelia Callegaro (irmã de Kiko, proprietária da boate no papel)
7 - Marlene Teresinha Callegaro (mãe de Kiko, proprietária da boate no papel)
8 - Gilson Martins Dias (bombeiro que vistoriou a boate)
9 - Vagner Guimarães Coelho (bombeiro que vistoriou a boate)

Indiciados por 241 homicídios culposos*
10 - Miguel Caetano Passini (secretário de Mobilidade Urbana)
11 - Luiz Alberto Carvalho Junior (secretário do Meio Ambiente)
12 - Beloyannes Orengo de Pietro Júnior (chefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade Urbana)
13- Marcus Vinicius Bittencourt Biermann (funcionário da Secretaria de Finanças que emitiu o Alvará de Localização da boate)
* Denúncias por crime de lesões corporais dependem de representação das vítimas

Indiciados por fraude processual
14 - Gerson da Rosa Pereira (major dos bombeiros que incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate após a tragédia)
15 - Renan Severo Berleze (sargento dos bombeiros que incluiu documentos na pasta referente ao alvará da boate após a tragédia)
16 - Elton Cristiano Uroda (ex-sócio da boate Kiss, que deu falso testemunho)

Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 241 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. O inquérito policial, que indiciou 16 pessoas criminalmente, conclui que:

- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas


Com informações G1